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05/07/2023

HEMOGRAMA – INTERPRETAÇÃO CLÍNICA

HEMOGRAMA – INTERPRETAÇÃO CLÍNICA

 

O hemograma é um exame essencial que faz parte da rotina do analista clínico que atua no laboratório de análises clínicas. Apesar de ser o exame mais solicitado na rotina laboratorial, ainda é um grande desafio para os profissionais a interpretação adequada dos parâmetros junto a clínica dos pacientes. 

 

Mas o que é hemograma? É um exame fundamental para o auxílio diagnóstico de várias patologias, como: anemias, infecções virais, infecções bacterianas, alergias, leucemias, dentre várias outras.

 

Para que ocorra uma interpretação adequada do hemograma, é necessário entendermos alguns conceitos e relembrarmos pontos importantes da hematologia.

 

Se você procurar a definição de hemograma no dicionário, você encontrará a seguinte frase “ exame ao sangue, realizado em laboratório, para classificação e contagem dos elementos do sangue e respectivas percentagens”, dito isso, podemos entender que o hemograma é, um exame formado pelo conjunto de outros exames, sendo eles, plaquetas, hemoglobina, hematócrito, índices hematimétricos e diferencial de leucócitos e esse conjunto de exames, denominamos de parâmetros, quando analisados adequadamente podem direcionar o médico para o diagnóstico adequado. Esses parâmetros são divididos de acordo com três grupos celulares: parâmetro dos glóbulos vermelhos, representado pelos eritrócitos, ou seja, as hemácias; parâmetro de glóbulos brancos ou leucócitos e, para finalizar; parâmetro plaquetário que é composto pelas plaquetas.

 

No final dos anos 50 e início dos anos 60 surgiram no mercado os primeiros contadores de células semiautomáticos e, desde então, os avanços na engenharia eletrônica permitiram uma crescente automatização do processo de realização do hemograma. As contagens de plaquetas foram incorporadas aos sistemas automatizados na década de 70, fornecendo resultados mais confiáveis do que as contagens manuais em câmara. E, finalmente, a contagem diferencial dos leucócitos teve sua grande evolução a partir dos anos 80, quando novas tecnologias como a citometria de fluxo e a citoquímica, foram agregadas aos sistemas de identificação das células sanguíneas. Essas inovações mudaram a rotina dos laboratórios, tornando-os mais eficientes e ágeis, além de apresentarem uma melhor qualidade nos resultados.

 

Se separarmos os parâmetros liberados no exame hemograma, eles se apresentariam da seguinte forma:

 

Glóbulos vermelhos (Hemácias ou eritrócitos):

A série vermelha representa a população eritrocítica, que avalia as hemácias, essas hemácias são avaliadas pelos parâmetros listados abaixo:

  • Hemácias;

  • Hemoglobina (Hb);

  • Hematócrito (Ht);

  • Índices hematimétricos:

    • VCM (volume corpuscular médio; corresponde ao volume dos eritrócitos no sangue analisado, com variação normal de 80 a 100 fL (fentolítro)
    • HCM (hemoglobina corpuscular média contida nos eritrócitos; possui variação de 28 a 34 g/dL de hemácias).
    • CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média; possui variação de 31 a 36 g/dL de hemácias).
    • RDW (Red Cell Distribution Widt - Amplitude de Distribuição dos Glóbulos Vermelhos; com variação de 13,1 a 14,0 fL).

 

Os parâmetros citados acima são utilizados para avaliação de normalidade da população eritrocítica. Resultados alterados são relacionados a patologias importantes, como as anemias.

Alterações nos valores de HCM e VCM podem representar um quadro de microcitose quando alterados para baixo do valor de referência, que varia entre 3,9 e 6,5 milhões por µLe macrocitose quando alterados para cima do valor de referência. Microcitose está relacionada com a presença de eritrócitos de menor diâmetro no sangue, e macrocitose, como o próprio nome sugere, quando estão com um maior diâmetro.

 

Alterações de CHCM acima de 36 g/dL de hemácias, indica um quadro de esferocitose, ou seja, grande aumento da população eritrocítica, que é diretamente ligado a anemias hemolíticas, podendo ser adquiridas ou hereditárias (conteúdo para outro texto) e que deve ser avaliado associado à clínica do paciente.

 

Alterações para cima do valor de referência no parâmetro de RDW são encontradas em quadros de anisocitose, ou seja, em avaliação de um esfregaço sanguíneo, é caracterizado pela grande variação de tamanho entre as hemácias.

 

Se tratando da interpretação dos valores de hemoglobina e hematócrito, podemos afirmar que em quadros anêmicos, o hemograma costuma apresentar parâmetros como hemoglobina menor que 13,5 g/dL podendo apresentar ou não um hematócrito menor que 41% em homens, e hemoglobina menor que 12,0 g/dL podendo apresentar ou não um hematócrito menor que 36% em mulheres. O que significa que podem ocorrer quadros em que a anemia pode não alterar o valor do hematócrito, sendo expressiva apenas pelo resultado de hemoglobina do paciente, ou seja, não é uma regra.

 

Dito isto, podemos avançar para outros parâmetros. O próximo é o da série leucocitária, ou de glóbulos brancos, os leucócitos. É um parâmetro que avalia a quantidade desses leucócitos em sangue periférico e os diferencia para melhor diagnóstico, sendo liberado em valores absolutos e percentual.

 

  • Global de leucócitos (WBC - white blood cells):

A celularidade liberada no hemograma dentro da global de leucócitos provêm de cinco grupos celulares distintos, todos com processo de produção e maturação na medula, sendo elas:

 

  • Granulócitos:

    • Mieloblastos:
    • Prómielócito
    • Mielócito
    • Metamielócito
    • Neutrófilo bastonete;
    • Neutrófilo segmentado normal;

 

  • Linfócitos:

    • Linfócito; esse possui três tipos de subpopulações celulares:
      • Linfócitos B: Correspondem de 5 a 15% dos linfócitos circulantes, e sua característica principal é a produção de imunoglobulinas, que funcionam como agente opsonisador ou neutralizador de antígenos específicos;
      • Linfócitos T: Correspondem de 65 a 80% dos linfócitos circulantes e são divididos em:
        • T8 citotóxicos, que expressam o marcador CD8 em sua membrana;
        •  T4, ou auxiliares que expressam o marcador CD4 em sua membrana.
    • Linfócitos NK: São minoria na circulação e se distinguem das demais linhagens por destruir as células alvo sem precisarem de uma célula APC (apresentadoras de antígeno), agindo em células tumorais e células infectadas por vírus e bactérias, além de células defeituosas ou em apoptose.

Vale a pena ressaltar que é impossível identificar a linhagem de um linfócito apenas utilizando microscopia, a não ser que estejam em órgãos específicos, como órgãos linfoides. Caso o profissional opte por realizar técnicas de marcação avançadas, como imunohistoquímica e imunofluorescência, podemos visualizar todas as linhagens de acordo com os anticorpos utilizados para a marcação.

Dando sequência temos outros três grupos celulares:

  • Monócitos:

    • Monócito; possui função de fagocitose de corpos estranhos;
  • Eosinófilos:

    • Eosinófilo; possui a função de mediação de processos inflamatórios e de combate a helmintos;
  • Basófilos:

    • Basófilo; possui vários mediadores inflamatórios, sendo um deles a histamina, estando muito relacionados a processos alérgicos e de hipersensibilidade.

 

Na contagem celular, seja por automação ou por microscopia óptica, é comum encontrar em sangue periférico, em normalidade, células como neutrófilos segmentados normais, linfócitos, monócitos, eosinófilos e por vez um por cento de basófilos. Quando são encontradas outras células na contagem diferencial como mielócitos, metamielócitos, nós podemos afirmar a presença de um desvio à esquerda e os equipamentos de automação sinalizam a presença dessas células com indagações que obrigam o profissional da saúde a realizar a revisão da lâmina por microscopia óptica, essas indagações liberadas pelos equipamentos são denominadas de flag’s.

 

Devemos entender que mesmo que não ocorra um desvio a esquerda na contagem diferencial, não significa normalidade, por exemplo uma grande quantidade de neutrófilos segmentados em sangue periférico, são encontrados em quadros de infecções bacterianas, tendo em vista que os neutrófilos segmentados são células móveis, fagocíticas, com a função especializada de destruir microrganismos e são constituídos de três tipos principais de grânulos: primários, secundários e terciários, que contêm enzimas digestivas, e são, verdadeiramente, os soldados do processo inflamatório. Produzidos e armazenados na medula óssea, são liberados para o sangue periférico através de mediadores químicos produzidos pelo processo inflamatório, onde ocorre um quadro inflamatório importante com liberação de citocinas no organismo.

 

Seguindo dentro dos leucócitos, temos os monócitos que possuem grande importância no processo inflamatório, devido à sua importância na fagocitose. Importante ressaltar que no sangue é chamado de monócito, mas, em nível tecidual o monócito se “diferencia” em macrófago. Os monócitos realizam a eliminação de microrganismos. Na reação de fase aguda do processo inflamatório notamos poucas alterações na contagem absoluta dos monócitos.

 

A monocitose pode ocorrer em processos inflamatórios de evolução crônica, como em doenças infecciosas assim como a tuberculose, paracoccidioidomicose, sífilis, endocardite bacteriana subaguda, febre tifoide e por protozoários. A monocitopenia, que corresponde à baixa ou ausência de monócitos em sangue periférico, pode ocorrer secundariamente no uso farmacológico de glicocorticoides.

 

Dando sequência, agora para os linfócitos, a presença de grandes quantidades em sangue periférico são encontrados em quadros de infecções virais (mononucleose infecciosa, citomegalovírus, varicela, hepatites, adenovírus, sarampo, parotidite epidêmica) e doenças como tuberculose, toxoplasmose e brucelose. Os linfócitos são células que respondem de forma específica a antígenos. Em outras palavras, a atuação do linfócito, através da produção de anticorpos (linfócitos B) ou por citotoxicidade (linfócitos T), ocorre após o reconhecimento de um determinado antígeno por uma APC, que, em órgãos linfoides, sejam eles primários ou secundários, vão apresentar os antígenos aos linfócitos virgens (naïve), que vão se diferenciar em plasmócitos (linfócito B) ou linfócito T (CD4+ ou CD8+, dependendo do sistema do complemento que ele vai interagir). A lesão tecidual (ou celular) e/ou a presença de microrganismo são estímulos para a resposta imune dos linfócitos.

 

Na reação de fase aguda, o hemograma frequentemente demonstrará linfocitopenia absoluta (valores muito baixo de linfócitos, geralmente abaixo de 1.500/mm3), refletindo a mobilização dos linfócitos teciduais para o combate antigênico. A linfocitopenia absoluta também pode ocorrer secundariamente ao próprio estresse ou ser decorrente do uso de corticosteroides.

 

Por último, mas não menos importante, falaremos sobre os eosinófilos e os basófilos. Os eosinófilos, quando presentes em quantidades significativas em sangue periférico, podem representar tanto quadro de hipersensibilidade (alergias) como quadro de estresse, além de estarem muito relacionados a quadros de parasitoses helmínticas. Em processos alérgicos (asma, rinite, drogas, alimentar e urticária) a eosinofilia (>250/mm3) é o dado mais relevante em um hemograma. Pacientes com paracoccidioidomicose ou com aspergilose bronco pulmonar, também podem apresentar eosinofilia. Se tratando de basófilos, na contagem diferencial é comum encontrar de 0 a 100 mm3 de basófilos. Achados acima desse valor, devem ser criteriosamente avaliados, pois o aumento ocorre em pacientes com leucemia mielógena crônica, colite ulcerativa, artrite reumatoide juvenil, deficiência de ferro, insuficiência renal crônica e após radioterapia, evidenciando um quadro inflamatório grave devendo ser avaliado pela equipe médica imediatamente.

 

Após abordarmos os parâmetros das hemácias e dos leucócitos liberados no hemograma, vamos abrir espaço para a interpretação da série plaquetária.

 

As plaquetas são produzidas na medula óssea e derivam dos megacariócitos, que é a célula precursora. As plaquetas são anucleares, ou seja, não possuem núcleo e estão presentes no sangue em quantidades variáveis entre 150 e 450 x 103 /mm3. Seu tempo de vida média é variável entre nove e doze dias. A atuação fisiológica das plaquetas é fundamental no processo inicial da hemostasia, promovendo a agregação celular e a adesividade com células endoteliais próximas às lesões. Durante essas atividades hemostáticas, as plaquetas funcionam como tampões e promovem o desencadeamento da coagulação sanguínea. Por essas razões a contagem total de plaquetas e a análise da sua morfologia são muito importantes. Situações que causam plaquetopenias induzem ao sangramento. Por outro lado, pessoas com número de plaquetas dentro dos valores padrões, mas com ausência de grânulos (ex.: plaquetas cinzentas) têm sangramentos devido à dificuldade da agregação plaquetária. Já o aumento do número de plaquetas acima de 450 x 103 /mm3 é denominado de plaquetose.

Plaquetoses até 700 x 103 /mm3 podem ocorrer notadamente em anemias, hemorragias agudas, inflamações e infecções crônicas, leucemias e policitemia vera.

 

Tendo sido abordado aqui nesse texto de forma resumida e o mais didático possível todos os parâmetros do hemograma, podemos observar que não se trata de um exame simples, muito pelo contrário, é um exame rico em informações que bem interpretados pode dizer muito sobre aquele paciente que o realizou.

Dito tudo isso, finalizamos este texto afirmando que o hemograma isoladamente, não realiza diagnóstico de infecção ou patologias e muito menos revela o agente etiológico. O hemograma sempre será um dado complementar à interpretação clínica extremamente importante quando adequadamente realizado e corretamente interpretado pelo profissional da saúde.

 

 

Referências:

HENRY, J. B. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. 20. ed. Barueri: Manole, 2008.

LEWIS, S. M.; BAIN, B. J.; BATES, I. Hematologia prática de Dacie e Lewis. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

MATOS, J. F. et al. O hemograma nas anemias microcíticas e hipocrômicas: aspectos diferenciais. JBPML, v. 48, n. 4, p. 255-8, 2012.

MIALE.J.B.- Tr.eblood.In: LatY.>rarOty Meoie,r;e Hemaroiogy. The: V. Mosby Co,,"pany. 1977

Naoum PC, Naoum FA – Hematologia Laboratorial. Eritrócitos. Editora Academia de Ciência e Tecnologia, S.J. Rio Preto, 2005. Naoum FA, Naoum PC – Hematologia Laboratorial. Leucócitos. Editora Academia de Ciência e Tecnologia, S.J. Rio Preto, 2006 Grotto HZW (ed). Interpretação clínica do Hemograma. São Paulo: Editora Atheneu; 2008.

 

 

Autora: Sâmara Teixeira

Assessora Cientifica